Minhas histórias e a primeira pessoa
Percebo que é necessário entregar, largar, fechar, dar por encerradas minhas histórias tristes, rancorosas, vingativas, ressentidas, para que elas não permaneçam reverberando e se repetindo em infinitas variações por onde eu for. É necessário que eu abra espaços internos para viver novas histórias. Por isso vejo como necessário abrir mão das paixões pelas minhas histórias antigas. Entendo que “culpa” e “condenação” são “ancoras” que não me permitem abandonar uma história antiga. Vejo “culpa” como uma espécie de paixão, um apaixonar-se por uma história vivida, no caso, má. Condenação é, para mim, a perpetuação de uma história, minha ou do outro, tanto faz, o prejuízo é o mesmo.
É necessário que eu deseje ter espaço para viver NOVAS histórias. Por isso é importante encontrar, por exemplo, algum tipo de ação que permita um desapego das velhas histórias, para que estas possam ir, e deixar espaço para a vivência de novas histórias. É fundamental desapaixonar-me das histórias antigas, tanto as minhas como a dos outros. Liberar-me de minhas histórias me permite liberar os outros das suas, assim como soltar as histórias dos outros me libera das minhas. As garras congelam a vida. Abster-me de opinar, aconselhar, julgar é liberar o outro e liberar-me da história do outro.
Às vezes não consigo soltar umas histórias (minhas ou de outros). Suas histórias fazem reverberar minhas historias. Deixo de perceber o outro como outro. Deve ser porque ainda não as integrei totalmente. Ainda não as transformei em algo essencial, em “adubo de vida”.
Um exercício que tento constantemente é não ficar repetindo para os outros as histórias que me aconteceram, para que eu possa estar aqui, presente, o mais vazio possível, para que eu não fique “gordo” de minhas histórias, para que esta gordura (paixão) não me suba aos ouvidos e me impeça de escutar os outros, me impregne as articulações e não me deixe mover livremente. O desejo que cultivo é o de estar presente, de estar aqui, agora, “magro” de histórias. Será isso o “colesterol” que impregna os adultos? Há histórias que abrem oportunidades para viver outras histórias e há umas que fecham as possibilidades de viver novas.
É como armazenar um colesterol ruim e um bom. Umas histórias lubrificam os caminhos enquanto outras impedem o caminhar, o fluxo do sangue, da vida.
Querer espaços, para viver novas histórias, é fundamental. É o começo da minha “cura”.
O que quero fazer com minhas histórias? Como deixar ir? Entra o verbo, já cantado em prosa e verso: Perdoar. Perdonare, pardoneé, forgive, etc. que em todas as línguas contém o verbo dar, doar ou deixar ir.
Um excelente exercício é perceber como me posto diante do outro: se quero me dar uma chance de mudar, esta chance se estabelece quando me abro ao outro. Vejo a importância de, a cada vez, ver o outro com os olhos limpos, como se o visse pela primeira vez. Só mudo quando mudo minha visão do mundo, e os outros são uma parte viva do mundo que me envolve. São expressões de mim
Posso começar por mim: olho para mim com este mesmo olhar, o olhar de me ver sem o “já sei”, “já conheço”, “já sei o que esperar”. Esta postura me permite ver e sentir como uma criança (sem colesterol), sem julgamento e, sobretudo, sem condenação.
Falar na primeira pessoa é também um passo para liberar-me da minha velha história. Quando falo envolvendo outras pessoas (‘a gente’, ‘você’, ‘as pessoas’, etc.) “ancoro”, “engorduro” minha história nos outros, e acabo me escravizando à minha história, aumento o peso da minha história, e desta maneira dificulto minha transformação. Dificulto também que os outros escutem minha história sem julgamento, porque os arrasto para dentro de minha história, criando em quem ouve ponderações e comentários internos com relação ao que estou expondo. Desta forma impeço que escutem minha história. Pior, impeço que eu mesmo escute minha história para que finalmente eu a largue. Só posso me liberar de minhas histórias quando assumir que são minhas, que sou eu que as estou mantendo, ninguém mais.
Falar na primeira pessoa, a partir do que vivi, da minha experiência, do que vejo, do que intuo, do que penso, é minha contribuição ao mundo quando me expresso.
Quando digo: a gente..., as pessoas..., o ser humano..., aí você..., etc., estou de certa maneira anulando o outro. Impondo uma descrição da realidade à todos. Estou, portanto, reduzindo meu universo.
Estou desta forma anulando a contribuição dos outros para a Visão maior, para a visão mais total. Para a percepção maior.
Há, por um lado, uma verdade em falar: nós, a gente, o ser humano, as pessoas, etc. É a intuição de que em um nível somos Um. Somos uma unidade, mas por outro lado, como somos todos parte do “Um”, o que faço, ao falar envolvendo outros, é abolir as outras partes do Todo, deste “Um” (que inclui os outros) que sou eu, estou diminuindo o, espaço de minha consciência. Reduzindo-a. Assim não permito que “outras partes de mim” possam vir me ajudar.
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