sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A DANÇA NOSSA DE CADA DIA NOS DAI, HOJE  !
                                               
             Faço aqui um convite a observarmos os indivíduos de maneira geral em sua expressão cotidiana, em seu assim chamado “jeito de ser “ - olhares, gestos, posturas, ritmos, forma de andar, respirar, falar e assim por diante. É possível traduzir esta expressão humana numa espécie de melodia; uma melodia que cada um de nós carrega consigo em forma de uma “dança” particular, própria, através da qual somos muito mais reconhecidos do que por nossos traços anatômicos. Este reconhecimento se dá certamente com mais clareza pelos que nos cercam do que por nós mesmos, é assim... Este “jeito de ser” é, em outros termos, a expressão de nossa psique, revelam os esforços de administrar os anseios da alma. É uma forma concreta, tangível de “ver”, “ouvir” e “tocar” o interior de cada um.

Nossos olhos são contemplados diariamente por “danças” como a dança do  “bonzinho”, a dança do “arrogante”, do “ lamentador”, do “irado”, do “sedutor” e por aí vai. Podemos mesmo estender a observação a grupos inteiros, deleitando-nos com as danças dos advogados, políticos, médicos,  professores, cada um com sua melodia. Há ainda a dos jovens, a dos velhos, dos motoqueiros, dos punks e “patricinhas”, enfim divirtam-se...É inevitável, estamos todos dançando. Na nossa grande maioria, ouvindo velhas e repetidas melodias que habitam nosso interior. Isto seria apenas divertido, se tivéssemos consciência deste evento e pudéssemos optar por dança-las ou não, mas é obvio que não é este o caso. Estamos todos adormecidos e impregnados pela inércia do  cotidiano. A esta altura é interessante ressaltar dois pontos. O primeiro, que os dançarinos profissionais estão tão sujeitos a inconsciência quanto qualquer indivíduo ou grupo profissional, e  o  segundo é a exceção a regra, que são as crianças (até por volta dos sete), em geral maravilhosos dançarinos. São capazes de transitar livremente por uma multiplicidade de ritmos e melodias com grande desenvoltura.
 Existem no entanto alguns raros momentos quando, por um motivo extraordinário, somos arrancados da monotonia de nossas bolorentas melodias e suas respectivas danças e... despertamos. Isto pode se dar as vezes por uma paixão, as vezes por uma desgraça, um grande medo, infinita alegria, ou mesmo inexplicavelmente. Nestes preciosos instantes somos transformados em dançarinos de uma ou várias melodias novas, momentaneamente escutamos a Melodia  Presente, a melodia que está nos envolvendo de fato, fora ou dentro de nós mesmos. Por algum tempo, neste estado tornamo-nos estranhos, diferentes, irreconhecíveis. Neste estado mudamos nossos gestos, olhares, tons de voz, nosso ritmo, respiração e consequentemente vemos o mundo com outros olhos, ganhamos algo novo. Parece ser algo ansiosamente desejado: mudar. Mas quantos de nós carregamos lá dentro o desejo de “que as coisas mudem mas que tudo continue da mesma forma”? Não queremos perder nada, e sobre tudo, não queremos perder o controle das coisas e de nós mesmos. São portanto estes momentos extraordinários, evitados e temidos, também pelo fato de que aprendemos a nos identificar e reconhecer através das sensações, sentimentos e pensamentos proporcionados pelo conhecido e repetido.
O mundo, ironicamente, atravessa um momento peculiar, em que todas as circunstancias, econômicas, ideológicas, sociais e institucionais, parecem conspirar para derrubar-nos de nossas posturas e melodias costumeiras e das danças que já sabemos dançar. Nos damos conta estupefatos de que muitas de nossas danças não servem mais. Mas nossa inércia é ditadora, e brigamos para fazer tudo voltar ao que era antes ou, na impossibilidade de volta, nos faz querer encontrar uma nova dança, e rapidamente fixá-la. Queremos “a solução” para podermos adormecer deitados em seus braços até...o próximo despertar.
             É possível viver desta maneira,  ao sabor  da chegada e partida destes momentos extraordinários. É assim que tem sido, assim viveram nossos pais e avós, assim construiu-se nossa história, e temos como certa  e inevitável esta maneira de viver.
 Podemos no entanto desejar outra coisa: deixarmos de ser autômatos e tornarmo-nos dançarinos. Significa desejarmos estar despertos, significa desenvolvermos uma atenção maior, uma permeabilidade e flexibilidade maiores, uma capacidade de pensar, sentir e agir mais integradas, deixarmo-nos surpreender conosco mesmos. Adquirir principalmente uma capacidade de ouvir a melodia presente. Ter o corpo físico e a psique aptos a dançar novas danças. Significa neste caso admitir que temos sido prisioneiros de nossas melodias e danças e desejar encontrar alguma saída, e encontrar saídas requer sempre saber aonde estamos. Além disto é preciso lutar contra a tentação do sono, de cairmos na repetição mecânica de nossas danças, portanto  é necessário que nos associemos a outras pessoas que partilhem do mesmo desejo de  manter-se desperto. Quando um adormecer, o outro, que estiver mais desperto, poderá nos acordar dizendo talvez: “Olha você não está ouvindo a melodia presente, você está  dançando algum eco do passado”. É um momento delicado que muitas vezes nos enfurece, e que nos incita a apelar para todas as justificações de que “não é bem assim”. Portanto requer paciência e pessoas em quem confiar. Em suma, significa desejar, e aceitar, ser tirado para dançar com a Vida.
Podemos contemplar o fenômeno da dança como: uma habilidade e ou graciosidade de movimentos; um instrumento de integração social; um acontecimento artístico; um elemento que permite aliviar tensões; uma expressão folclórica; ou mesmo um elemento religioso (de religação); todos eles circunscritos a momentos especiais. No entanto, vejo a dança como algo a ser conjugado cotidianamente com todas as nossas células. Creio que a Dança é o propósito último humano, e expressão de sabedoria: Poder estar presente diante de cada momento, reverencia-lo porque único, escuta-lo e, na condição magnífica de ser humano, dança-lo ... Amém.


                                                                                                  Michel Robim 
                                                                                         Terapeuta Psico Corporal

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